14 janeiro 2010

Cai (M)


Nada como falar das coisas quando realmente sabemos o que estamos a dizer. Gostei, gostei, gostei. Já contava com isso.
Agora, a história que eu gostava que os senhores da igreja lessem.
Tive uma educação católica. Sou baptizada e fiz a primeira comunhão. Casei-me pela igreja (porque ele fez questão). No meu tempo, os Atl´s e tempos livres eram passados "nas irmãzinhas", que nos ensinavam a cozinhar aos nove anos, a fazer o ponto cadeia, ponto atrás, alinhavos e os bordados. Andei nos escuteiros e pertenci ao coro da igreja. Sei de cor e salteado todas as orações, credos e mistérios da fé. Não vou à missa, mas se for, tenho a certeza que sei todo o repertório de cor...
Sendo eu de um meio pequeno, onde as mentalidades teimam não evoluir e onde se aponta o dedo a tudo e a todos, foi muito fácil discordar com as leis e os ensinamentos da igreja desde cedo. Lembro-me que depressa percebi o sentido do provérbio "olha para o que eu digo, não olhes para o que eu faço." Lembro-me da arrogância das "irmãzinhas", essas fieis seguidoras do senhor, e da forma como tratavam e colocavam de parte as meninas que não eram de boas famílias nem filhas dos doutores da terra. Mesmo fazendo parte do grupo das privilegiadas, guardo na memória que umas comiam pão com manteiga e marmelada e outras só pão com manteiga. Dois ou três anos mais tarde, foram as mesmas "irmãzinhas" que acharam que eu devia sair do coro da igreja, por falta de assiduidade nos ensaios. Nem o forte motivo da minha ausência levou a que eles me desculpassem. Afinal, o facto do meu pai estar internado no hospital que ficava a 80km de casa, não era nada ao lado do ensaio do coro. Lembro-me de, na mesma altura, a chefe dos escuteiros, que todos os domingos batia com a mão no peito na igreja, me excluiu do agrupamento, porque passei não sei quantos sábados sem lá meter os pés. O meu pai estava internado, e eu só podia visitá-lo ao fim-de-semana. Para ela, tal facto nunca foi uma desculpa plausível.
Recuando ainda mais alguns anos na minha memória, devia ter cinco ou seis, quando a minha mãe ganhou um processo disciplinar que lhe foi instaurado no local de trabalho. O motivo? Pôs no lugar a freira que batia em todos os doentes e lhes chamava os piores nomes. Coitadinha, a senhora foi expulsa da ordem e, mais de vinte anos depois, ainda anda na rua com a cabeça baixa.
Continuando a puxar o fio ao tempo, lembro-me que tinhamos hábito de ir à missa na capela do hospital onde a minha mãe trabalhava, todos os sábado ao final da tarde. Mas, houve um dia em que o senhor padre se lembrou de envergonhar a minha mãe à frente de toda a gente e expulsá-la da celebração? Porquê? Porque a minha mãe é 18 anos mais nova do que o meu pai. Porque quando a minha mãe conheceu o meu pai, ele já era divorciado e pai de três filhos. E, como se isso já não bastasse para ela ser uma herege, foi linda e maravilhosa no seu vestido azul dizer o sim ao registo civil.
Mas há mais. Há as histórias que conta quem estudou num colégio de freiras: a minha mãe e a minha tia. Mas ficam para o volume II deste livro, se deixarem Saramago lá chegar.
E por falar em Saramago. Estavam à espera de quê?! Por ter sido ele quem escreveu?! Não se esperava isto dele?! O homem até já quis deixar de ser português? E depois?! Todos nós, um dia, já quisemos, queremos ou havemos de querer não ser portugueses. E, se esse dia chegar, a meu ver há algo de que nos devemos lembrar: que um dos encantos de ser português, é saber que é nossa a única língua que tem a palavra SAUDADE no dicionário. Está bem que a poderiamos aprender, mas de certeza que nunca a iriamos sentir da mesma maneira.
Agora, fiquem com Deus. Se quiserem.

3 comentários:

Anónimo disse...

É impressão minha ou este post cresceu desde ontem...não me lembro de ter lido esta história...enfim estou como tu, com a Igreja e afins pelos cabelos.

Princesa M disse...

Cresceu. Era suposto o outro ter ficado nos rascunhos, para acrescentar o que acrescentei depois. mas publiquei sem querer e olha deixei ficar :)

Cinderela disse...

Eu não poderia estar mais de acordo contigo. Apesar de ser Católica, reconheço a grande hipocrisia na qual esta religião está envolvida. Mas como alguém me disse uma vez, as religiões são feitas de Homens, e os Homens são imperfeitos, cometem erros. Acho que é por isso que ainda me mantenho fiel ao Catolicismo, porque gosto de pensar que são as pessoas que deturpam os seus princípios e valores. Acho que encontrei uma maneira muito particular de manter a minha fé, uma forma pouco ortodoxa, é certo, mas pelo menos não lido com situações escandalosas como as que tu relataste.